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RENDA: a filha do escorpião

(Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, 2004-2010)
Estudo de caso
Por Lívia Moura

RENDA: a filha do escorpião, ritual/performance e instalação, sacos plásticos do cotidiano costurados na máquina, Lívia Moura, Vendo Ações Virtuosas, Rio de Janeiro, RJ, 2008. Fonte: registro fotográfico de Alex Lima, arquivo VAV.

O próprio processo de confecção da arte pode estar explícito na obra final e fazer parte da sua poética e estética. Tomo como exemplo o trabalho “RENDA” (2004-2010), meu primeiro trabalho de arte que me levou à exposições em museus do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília aos 21 anos de idade. Para sua confecção (que perdurou por 7 anos, de maneira lenta e contínua), eu recolhia sacos e embalagens plásticas do cotidiano e depois costurava-os numa antiga máquina Singer que herdei de minha bisavó. Aos poucos eu fui montando uma enorme instalação flutuante, pendurada por fios invisíveis de nylon no teto. 

Na abertura das exposições deste trabalho, eu performava durante horas o ato de costurar na máquina os plásticos, explicitando na obra final o processo que levou à ela. Esta performance apresentava um ato simbólico e concreto de recolher o que sobra do sistema de hiper consumo – o lixo  – e transformá-lo numa “renda” (trabalho artesanal de criar rendas). Ao mesmo tempo, era um jogo-ritual de transmutação e ressignificação do crescimento infinito da “renda” (dinheiro), numa reciclagem orgânica e artesanal. Este trabalho está ligado aos conceitos de decrescimento econômico e movimentos econômicos alternativos.

Vejo esta obra como um exemplo de trabalho de arte socialmente “engajada simbólica”. Além disso, também se assemelha a um ritual psicomágico de Alexandro Jodorowsky. O resultado desta obra de arte foi uma instalação que crescia a cada exposição, criando uma nuvem de plástico amorfa, cheia de rizomas suspensos no ar. Durante a performance e todo o período da exposição da instalação, eu colocava um som gravado de várias máquinas costurando ao mesmo tempo em ritmos diferentes – como bichos por hora vorazes, por hora calmos – gerando uma sobreposição de tempos e quantidade de máquinas que davam a impressão de multiplicar angustiadamente o meu ato de costura: produzir, produzir, produzir, produzir… lixo! 

Luzes e contra-luzes mostravam as camadas de sacos costurados uns sobre os outros compondo uma estética muito similar às pinturas que faço com pigmentos naturais hoje em dia e a todos os meus trabalhos de arte desde então.

RENDA, Lívia Moura, performance-ritual e instalação, sacos plásticos e embalagens plásticas costurados na máquina, 2006-2010. Fonte: FILHO, Paulo Venâncio, catálogo da exposição Nova Arte Nova, São Paulo: Centro Cultural Banco do Brasil , 2009, p.122-113
RENDA: a filha do escorpião, detalhes da instalação, sacos plásticos do cotidiano costurados na máquina, Lívia Moura, Vendo Ações Virtuosas, Rio de Janeiro, RJ, 2008. Fonte: registro fotográfico de Alex Lima, arquivo VAV.

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