(Rio Grande do Norte, 2019)
Estudo de caso
Por Lívia Moura
O evento mais importante desta fase da VAV, foi a participação no Tropical Burn em 2019, que resultou em 7 dias e 7 noites de rituais culminando na queima de uma serpente de 30 metros. O ritual começou projetando uma serpente de 30 metros que seria queimada, como é a tradição do Burning Man. Em seguida, fizemos uma campanha para arrecadar fundos dos participantes do Tropical Burn, que podiam destinar uma parte do valor do ingresso para algum projeto de arte. Além disso, preparamos para o Rio Grande do Norte uma nova versão do nosso triciclo, dessa vez decorado com asas, onças e 7 cobras.
Segue a descrição do jogo-ritual:
Parte 1: No primeiro dia do ritual, montei um esqueleto de cobra de 30 metros de bambu com ajuda de alguns participantes do evento.
Parte 2: No dia seguinte, com 7 mulheres no mar, fizemos uma lavagem física e espiritual dos crânios de javali e boi (trazidos de Itamonte). Em seguida, penduramos os crânios na entrada do esqueleto da cobra e acendemos defumadores feitos de ervas para limpeza.
Parte 3: No terceiro dia fizemos um ritual para cortar um tecido de 10 metros em tiras. Durante o ritual colocamos a energia da nossa raiva para fora ao rasgar o tecido de maneira catártica com a intenção de expurgar nossos monstros e medos. Esta ação foi inspirada na obra “Legarsi alla montagna” de Maria Lai (Sardenha, 1919-2013), utilizando a mesma técnica que a artista usou nesta obra para rasgar o tecido coletivamente e transformá-lo em fitas.
Parte 4: No quarto dia fizemos um encontro na Feminist Tend com meditação e jogo-rituals para entrar em contato com os nossos medos mais profundos e escrevê-los nos retalhos de tecido rasgados.
Parte 5: No quarto, quinto e sexto dia atravessei o evento passando de tenda em tenda pedindo para que as pessoas escrevessem nos retalhos os medos mais profundos delas e pedindo que amarrassem eles na estrutura do esqueleto de serpente feita de bambu. Por sorte (ou sintonia) havíamos montado a serpente de frente para o vento e os tecidos amarrados ficavam voando para trás, formando a pele descamada da cobra, como se o vento estivesse lendo os medos e levando eles para longe.
Parte 6: Começamos o ritual no crepúsculo. Carolina Cortes se colocou no fundo do portal -rabo da serpente- com uma máscara de dinossauro, uma vela, defumadores e o oráculo da Lilith. Eu me sentei na entrada do “portal” ao lado dos crânios vestida como uma sacerdotisa carnavalesca e, segurando o estandarte escrito “Oráculo da Lilith”, contei histórias sobre Lilith.
Enquanto contava essas histórias, orientava es participantes (dezenas de pessoas) a entrar ume de cada vez no portal. Na entrada do portal, eu entregava um fio e explicava que ele deveria ser amarrado em uma parte do corpo que a pessoa sentisse que tinha algum poder reprimido. Este fio deveria ser arrebentado no momento em que a pessoa se sentisse pronta. Os participantes então caminhavam por dentro do túnel-serpente sendo acariciados pelos tecidos onde estavam escritos os medos dos participantes. No final do túnel eles se surpreendiam com a presença da Carol Cortes jurássica – com uma máscara de dinossauro, iluminada somente por uma vela e envolta na fumaça dos defumadores – que lhes entregava uma carta do oráculo. Em seguida, a pessoa deveria sair pelo mesmo caminho. Esta parte do ritual durou horas.
Neste ritual, encenamos o percurso que o arquétipo de Lilith nos guia: descer ao inferno interior de cada um, entrando em contato com os medos mais profundos e lá, no fundo do poço, encarar o nosso maior medo que é o nosso poder pessoal. A partir daí, Lilith desperta nossa kundalini interna nos guia de volta para a superfície, nos conectando com a sabedoria das estrelas.
Parte 7: Depois que todas as pessoas haviam entrado e saído do Portal da Lilite, colocamos fogo na serpente até quase não restar nem um pedaço de bambu e nem um retalho no chão.
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