Por Lívia Moura
Uma cosmogonia pessoal
Cosmogonias são histórias que contam sobre o início do mundo. Entretanto, “o começo é sempre abissal”, como me dizia minha avó Nininha. E é abissal tanto no sentido horizontal (tempo) quanto vertical (espaço). Onde termina um território e onde começa uma existência? Como escolher um único fio condutor neste mundo onde está tudo entrelaçado? O começo e o fim serão sempre uma escolha arbitrária, um parêntese num fluxo contínuo e infinito de vida-morte-vida.
Num exercício junguiano de observar os símbolos da realidade criei uma cosmogonia fabulosa sobre a minha existência, que talvez possa inspirar quem está lendo a construir a sua própria cosmogonia pessoal:
Quando tinha 15 anos frequentei um ritual evangélico dentro de um atelier de uma artista Plástica chamada Adriana Tabalipa. Durante o ritual espírita (com fachada evangélica) um dos pastores – preto bem escuro, gigante, com uma voz grave – colocou a mão na minha cabeça e disse que eu iria unir teoria e prática e que eu deveria ler um versículo tal da bíblia. Apesar de não ter sido batizada, fui procurar uma bíblia para saber do que se tratava. Este versículo (não me lembro mais qual era) dizia que eu ainda estaria prestando as contas do que havia acontecido há 5 gerações atrás.
Pesquisando com a minha família (majoritariamente branca) encontrei 2 fortes acontecimentos há 5 gerações atrás. O meu sobrenome Moura (paterno) vem um uma africana escravizada que teve uma filha com um padre, chamada Cesaria. E do outro lado da família, há exatamente 5 gerações, uma sinhá havia sido assassinada pelos escravos. Conta-se que ela era muito má. Sua filha Áurea tinha 4 anos quando a mãe faleceu. Quando cresceu, Áurea ficou viúva com 4 filhos. Conta-se que ela dedicou sua vida a ajudar pessoas de baixa renda, acolhendo-as em sua casa em Teresópolis, oferecendo-lhes banho, penteando seus cabelos e costurando enxovais impecáveis para seus bebês.
A partir dessas informações acima, construí na página seguinte uma leitura simbólica de integração entre os opostos dentro de mim: a união entre teoria e prática, do significado do meu nome e sobrenomes, o meu mapa astral e das minhas ancestrais – a sinhá tirana e a africana escravizada. Incluí a bisavó indígena que, apesar de menos documentada como as outras 2 histórias da família, ocupa um lugar importante em todas as pessoas que nasceram no território brasileiro. No meu mapa astral, o signo solar (touro) é o oposto complementar da lua (escorpião), estando a 180° dela no mapa astral. Incluí ao final meus filhos Teo e Kito, porque também são espíritos opostos, como o yin e o yang.
Como criar a sua cosmogonia pessoal?
Crie a sua cosmogonia pessoal fabulosa a partir dos conhecimentos e informações que você tem sobre sua vida. Sugestão: crie um gráfico, desenho ou narrativa que construa um sentido simbólico e fabuloso sobre a sua existência. Busque utilizar informações tais como: quais são as principais memórias que você trás dos seus ancestrais e dos territórios que eles atravessaram? de onde eles vieram? quais profissões desempenharam? Quais conquistas e opressões viveram? Quais mitologias reconhece em si? Quais informações podem ser relevantes sobre seu mapa astral, o seu nome completo, seu propósito na vida, suas paixões, seus filhos, etc.
Obs.: a realidade é caótica, quem dá sentido para ela somos nós.
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