Por Lívia Moura
Existem infinitas maneiras úteis de organizar o fluxo de energia vital. Aquela trazida pela Medicina Tradicional Chinesa (MTC), em particular, me interessa muito e também se tornou útil tanto para a minha vida pessoal como para os projetos de arte socialmente engajada.
Para pensar em processos de alquimia das emoções irei propor utilizar conhecimentos da acupuntura como um método de estimulação de pontos onde a energia vital se encontra estagnada ou adormecida. A acupuntura é uma técnica milenar da Medicina Tradicional Chinesa que busca harmonizar a energia do corpo com a do ambiente, auxiliando na capacidade do organismo de auto-regular o seu fluxo energético. Esta harmonização se faz através da estimulação com agulhas em pontos específicos da superfície do corpo que se conectam com meridianos – canais por onde a energia circula (Maciocia, 2007).
Do ponto de vista da MTC, os desequilíbrios físicos e emocionais estão interligados na manutenção do que eles chamam de Chi (energia vital que circula pelo corpo e pela natureza). Como mostra a estrela abaixo, esta energia pode ser dividida em 5 elementos: fogo, terra, metal, água e madeira. Este gráfico nos mostra, por exemplo, que a energia acumulada no fígado está associada à raiva, à frustração e ao ciúmes. E esta seria a mesma energia que também gera alegria e criatividade. São dois lados de uma mesma moeda.
O fígado é uma glândula que auxilia o corpo a agir e reagir a lesões, quebrar gorduras e substâncias que nos envenenam, destruir células sanguíneas desgastadas, dentre outras inúmeras funções. Portanto, a raiva e a criatividade são dois lados de uma mesma moeda e fariam parte da mesma energia: um impulso que abre caminho para novas possibilidades. A raiva e a criatividade estão associadas também ao elemento madeira e, assim como os galhos das árvores, se espalham de maneira expansiva para todos os lados (Maciocia, 2007).
Já a tristeza é associada ao pulmão e o movimento desta emoção seria a contração do diafragma para dentro: introspecção. O elemento associado a ela é o metal e, assim como raiva e criatividade, tristeza e sabedoria, fazem parte da mesma energia. O sentimento de medo está associado aos rins, que seria representado pelo elemento água e o movimento seria para baixo. É comum animais e seres humanos urinarem ou terem diarreia quando estão com medo.
A alegria, o amor e a compaixão estão associados ao coração, ao movimento para cima e ao fogo que sobe. Quando estamos felizes, dizemos que estamos “alto-astral” e nossos lábios se movem para o alto num sorriso. E, por fim, o elemento terra – associado ao estômago, pâncreas e baço – está ligado à organização, ao intelecto e à razão.
Do ponto de vista da MTC existe um processo de auto-regulação de energia no corpo. Como mostra o gráfico (figura 28), quando o corpo tem excesso de madeira é possível equilibrar (ou inibir) esta energia com o metal. Por exemplo, quando uma pessoa está furiosa quebrando toda a casa, ela só poderá ser aplacada com uma notícia trágica/triste como: “sua mãe morreu”. Como um machado de ferro que corta a lenha, a tristeza pode cortar o movimento expansivo desenfreado do sujeito – a sua raiva – e fazer com que ele entre num processo de tristeza, que poderá levá-lo a uma introspecção e à obtenção de sabedoria, reequilibrando sua energia vital.
O medo excessivo (água), por exemplo, seria aplacado pelo intelecto, elemento terra – ligado ao estômago, ao pâncreas e ao baço – e que está associado também à organização. Ou seja, quando o medo se torna irracional ou excessivo, é importante organizar o caos e, através do intelecto, voltar à terra e à razão. A terra é o que dá contornos às margens do rio. Afinal, é com os pés no chão que se pode encontrar as estratégias para evitar os obstáculos e perigos temidos. É com a razão que se pode colocar os medos por terra, separando os fantasiosos daqueles reais.
O excesso de alegria (fogo) pode levar à hipertensão, uma excitação exagerada e desconectada da realidade, que é equilibrada pelo medo/prudência: a água apagando o fogo. Já o excesso do elemento terra – intelecto, racionalidade e organização – é equilibrado pela energia da raiva/criatividade, uma energia expansiva e cheia de imprevistos como uma árvore germinando na terra. Por fim, o excesso de tristeza é equilibrado pelo fogo: a alegria que vem do coração. Fogo que derrete o metal e permite moldá-lo.
De acordo com MTC, as emoções são energias que precisam estar em fluxo para a gestão e a manutenção da harmonia psicofísica. Ou seja, energia/emoção bloqueadas podem fazer com que o corpo desenvolva algum desequilíbrio que pode se expressar em algum tipo de doença ou distúrbio. Considero a estrela das emoções, inspirada na MTC, como uma ferramenta interessante de se consultar ao desenvolver roteiros de rituais de reciclagem emocional. Como foi demonstrado acima, ela é um ritual biológico, pois foi criada a partir da observação dos processos alquímicos da própria natureza: a água apaga o fogo, o metal corta a madeira, o fogo derrete o metal, etc. Portanto, os elementos podem ser usados de maneira literal nos rituais psicomágicos que criamos para a gestão das nossas emoções.
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