(Rio de Janeiro, 2017)
Estudo de caso
Por Lívia Moura
Após os encontros iniciais da VAV em 2013, não consegui me manter economicamente no Brasil. Tive que voltar para a Itália, engravidei de novo e segui por lá com atividades da VAV com algumas ceramistas do projeto Pandora Ritrovata e desenvolvendo atividades com um grupo de pais na construção da primeira escola pública Montessori da região. Em 2015 retornei ao Brasil e, em 2016 ingressei no mestrado em Estudos Contemporâneos das Artes na UFF tendo a VAV como tema.
A partir de então, voltei a pensar e escrever sobre a VAV e, junto com Leticia Mattoso e Carol Cortes, voltamos a colocar lenha na fogueira das ações virtuosas. Num dos nossos encontros para pensar sobre a VAV, tomamos um banho numa cachoeira no bairro do Horto para pedir apoio dos espíritos das águas. Junto à cachoeira decidimos que precisávamos de um triciclo que pudesse circular pela cidade. Voltando para casa, nos deparamos com um triciclo amarelo que parecia perfeito para nossas ações. Poucos dias depois, descobrimos quem era o dono e compramos o triciclo.
Batizamos o triciclo que tínhamos acabado de adquirir de “Triciclo Imantado”, inspirando-nos no trabalho “Espaços imantados” de Lygia Pape, com a visão de uma escultura móvel geradora de um centro magnético de interações nômades. Além disso, o triciclo é constituído por 3 círculos, como os 3 triângulos da sigla VAV e os 3 eixos da sua ética tripartida (imaginário, emoções e economia). Desde a sua criação em 2013, por conta da maternidade, a VAV permanecia meio disforme, sem saber se o projeto em si iria seguir adiante. O ovni VAV aterrissou efetivamente neste planeta no dia 20 de junho de 2017, abençoado e inundado pelo maior dilúvio daquele ano.
Estreamos nesta mesma intervenção o nosso “Triciclo Imantado” e os jogos-rituais experimentais dedicados à concepção de um ativismo urbano da VAV. Naquela época, eu fazia estágio de docência do mestrado junto com o meu orientador e propusemos para os nossos alunos de graduação da UFF um trabalho final que consistia em inventar o “Dia Internacional do Decrescimento Feliz” e fazer um evento para sua celebração na Praça XV, centro do Rio de Janeiro. No Ato 3 do capítulo 2 do livro 1 trago reflexões do movimento sobre o Decrescimento Econômico Feliz.
Neste dia entrelaçaram-se ações em torno do interesse em criar modos de mediação e interação entre artistas, camelôs, os usuários da barca Rio-Niterói e os transeuntes da Praça XV. Junto com mais de 20 artistas, dentre eles es alunes da graduação de artes e produção junto com obras de artistas famosos – como Nuno Sacramento e Carlos Vergara-, promovemos jogo-rituais híbridos que misturavam a venda de produtos, arte relacional, contato e improvisação, instalações interativas, trocas afetivas, terapêuticas e poéticas. Ressalta-se nesta tarde o transbordamento entre realidade e ficção em todos os sentidos.
A intervenção, que não esteve tão cheia quanto gostaríamos, sobreviveu (arduamente) a um grande dilúvio, que acabou provocando enchentes em diversas zonas da cidade. Ali se realizou uma transfiguração entre realismo mágico e lavagem (espiritual) de dinheiro em ressonância com as mandalas de sal grosso de Jhacira XL diante do prédio da bolsa de valores, os porquinhos de dinheiro quebrados pelos alunos de graduação, os feijões de Carlos Vergara brotando formando a palavra “FOME”, a performance de Joana Caetano transitando com uma placa escrita “Atravessa seu caminho”, Nora Barna e Dasha Lavrennikov promovendo contato e improvisação, Clarice Rosadas recebendo transeuntes para desenhar as suas angústias, etc.
Eu havia deixado meus dois filhos pequenos com a minha mãe e, durante o evento, recebi a notícia de que o menor havia engolido uma moeda grande. Saí imediatamente do local, atravessando a cidade alagada para encontrá-lo no hospital. O meu pequeno parecia ter encarnado o porquinho de lavagem de dinheiro com o próprio corpo.
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