(Rio de Janeiro, 2014)
Estudo de caso
Por Lívia Moura
Em 2014, o Rio Doce, que nasce no estado de Minas Gerais e desemboca no mar no Espírito Santo, foi atingido por uma dos maiores desastres ambientais do planeta com o rompimento das barragens da mineradora Vale do Rio Doce em Mariana, Minas Gerais. Logo depois, como um ato de protesto e rezo, organizei a co-criação de um ritual na praia de Ipanema onde participaram: Lula Bulcão, Beth Albano, Letícia Mattoso, Zahy Guajajara, Dasha Lavrennikov, Cordélia Fourneau, Guilherme Vergara, Jessica Gogan, Mercedes Lachmann, Inaê Moreira, Izabela, Verônica D’Orey, Barbara Zaniek, dentre outras pessoas que estavam ali presentes.
Começamos o ritual no asfalto pintando os personagens atingidos pela tragédia sobre nossos corpos e pendurando peixes mortos no pescoço. Zahy Guajajara pintou nosso rosto com urucum, pintamos cartazes e enchemos de lama peixes que foram comprados na feira. Construímos, neste momento, uma espécie de altar com flores, cartazes e peixes e, em seguida, deitamos “mortos” junto com eles no asfalto.
Fomos depois para a areia onde criamos uma roda em torno do “altar- funerário” e do cartaz feito pela designer Verônica D’Orey escrito: “Somos o Rio Doce: ritual de sublimação do asfalto ao mar”. Fizemos algumas respirações em conjunto e começamos a nos enlamear ao som do lamento tupi guarani em forma de canto de Zahy Guajajara. Pegamos os baldes cheios de lama e as jogamos sobre a cabeça de cada um de nós.
Dasha, Inaê e Isabela encabeçaram a formação de um “rio”, onde fomos nos arrastando, sendo puxados uns pelos outros, numa espécie de “contato e improvisação” compondo um corpo único e orgânico rumo ao mar. Fomos guiados pela voz de Zahy e por Letícia Mattoso – que improvisamente colocou um enorme cocar e ergueu solenemente diante de todos o maior peixe morto (todo enlameado). Foi um arrastamento lento, sofrido, parecia que o mar nunca iria chegar e a areia arranhava nossa pele ardida e comum.
Para, finalmente, desaguarmos no mar…
Jogamos as flores e também os peixes pequenos para que outros peixes pudessem comê-los. Voltamos para o asfalto, enquanto Beth Albano tocava lamentos sobre as águas. Por fim, fomos para a casa de Cordélia, onde cozinhamos o peixe grande e o comemos.
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